#carta 2, objetos/“New York, i love your literature”
sobre imaginação e objetos. e uma nova edição de um texto antigo revisitado
desde a última semana me desafiei a publicar uma carta toda segunda.
a de hoje seria especialmente uma homenagem á cidade de Nova York e as culturas que circulam ali dentro.
eu vou chegar lá…
quase toda noite eu estou cansada e nutrida de conteúdos da universidade, e de tudo que vi, pensei, senti e compus durante o dia.
hoje cedo, refletindo sobre o texto que li na noite passada, comecei a compor uma música que no primeiro verso já começa assim:
Você quer me tocar com seu carro
Transar com seu jeans semi desabotoado
e o onde eu realmente queria chegar com isso? era nos objetos ou em alguém?
sei que os objetos quando envolvidos com pessoas me atraem mais. acho que é esse o tema dessa letra.
“você quer me tocar com seu carro”, na verdade, surgiu de um pensamento intrusivo que eu tive pela manhã, enquanto dirigia o meu veículo. soou como uma forma engraçada de dizer “você quer me atropelar”. a resposta pra uma proposta dessa, pra mim, seria simplesmente “não”. mas se alguém usasse tocar ao invés de atropelar, eu talvez me sentiria lisonjeada. alguém quer me tocar (mas não é o bastante), é preciso envolver ferragens, couro, borracha, gasolina, fogo. música.
refletir sobre objetos como matérias que se misturam com afetos e estímulos sensoriais, e até intercursos sexuais, agora faz parte de mim. o que seria do mise en scéne do seu filme romântico favorito, sem os seus objetos e o cenário? como descrever uma história desprezando a sutileza determinante das coisas que são arremessadas, entregues, embrulhadas, roubadas?
conversando com quem me apresentou o texto Não há heterossexuais1 - uma provocante coluna do professor Safatle para a revista Cult - que inspira a primeira parte dessa publicação, fui duplamente provocada. essa pessoa primeiro se mostrou surpresa pois o texto me levou a pensar em objetos-produtos, e ela, por outra via, pensou em objetos-carne, e apontou pro próprio corpo, começando pelos lábios, se tocando e indicando esses objetos.
são ideias estimulantes, e eu nem mencionei o que penso da parte da suposta não existência dos heterossexuais. mas com certeza valorizo essa ideia, e quero redigir sobre isso também, num futuro próximo.
encerro aqui a primeira parte da carta.
eu, numa avenida que me levaria ao Time Square se eu desejasse (não desejei)
new york, i love your literature
no Brooklyn o tempo é outro, e tudo é encantador. existe uma alegria e senso de comunidade que esconde por dentro da arquitetura cinzenta.
no meu primeiro dia ali, minha primeiríssima impressão foi por meio do paladar. bebi meu primeiro vinho ilegal na “América”, servido em um copo térmico branco e longo. foi feito de isopor e era próprio para conservar café quente. a comida caseira colombiana que almoçamos naquele dia se misturava ao calor do aquecedor, e eu ainda enxergo aqueles feijões enormes, que me levaram para a América Latina. pra longe do frio que dançava lá fora.
a maneira que tudo foi servido é de uma fartura que se traduz como se não quisessem que eu saísse dali antes de começar a rolar de tanta empanturra.
em poucos dias tive contato com muitas comidas e culturas como haiti, etíopia, espanha, china, frança, etc. e em frente ao museu MoMa, avistei uma churrascaria brasileira ostentosa, que de vez em quando encontro nos shoppings brasileiros.
quando comecei a redigir esse texto (em fevereiro de 2023) eu havia acabado de assistir tick tick boom, um filme que se passa em 1990 em Soho, lugar onde eu tive minhas primeiras impressões da famosa ilha de Manhattan.
foi por lá que, para minha surpresa, eu ganhei um livro de presente numa galeria. por conta da casa. o motivo: não aceitavam cash. no momento que eu soube da impossibilidade de comprar, eu já havia superado, mas daí rolou esse acontecimento, envolto de gentileza - eu não esperava atrair esse tipo de gesto numa cidade organizadamente caótica, de um tempo tão abreviado, que faz parecer que todos os dias tem apenas 3 horas.
por conta de tick tick boom, eu tenho agora uma referência temporal, e um pacote de produtos-emoções sintetizadas, pra encarar o livro White Girls - que me foi presenteado. o volume em questão foi escrito por Hilton Als. um crítico que magnetizou minha atenção assim que comecei a lê-lo. Ala é habitante de nyc, que foi o cenário da sua escrita, e onde ele encapsulou a epidemia do HIV em meio à sentenças sobre o amor, cultura pop, racismo e relações humanas. tem um toque ficcional, da maneira que ele fricciona temas leves e pesados continuamente, e de maneira impressionante, fazendo sentido desses confrontos semânticos e materiais.
um dia em Soho, caminhando em direção a um restaurante francês, escutei de uma galerista que mora e trabalha na região, coloridas histórias de trabalho. segundo ela, nos anos 80 Soho era muito mais artsy e maluco do que hoje.
imagino esse contexto em filtro granulado, e por trás dele, aqueles jovens artistas que mantinham simultaneamente 5 empregos. e do outro lado da rua, galerias famintas e carniceiras, especulando em meio as centenas de recusas diárias, qual seria o próximo grande artista que lotaria seus bolsos.
toda essa reflexão me faz lembrar a biografia do jovem Basquiat, e seus gozos e tragédias. com certeza era tudo muito diferente de hoje, em que as calçadas são potenciais passarelas, onde seu outfit importa muito mais, e o dinheiro que corre pela ilha, é velho e orgulhosamente corrupto.
eu me familiarizei e me adaptei muito mais e melhor em Brooklyn. até hoje, lá podia ainda ser uma cidade separada da grande nyc, se o povo quisesse, como uma ilha (nada fictícia) que me disseram estar próxima da estátua da liberdade, e que comporta apenas trumpistas.
por hoje é só!
dia 1 é dia de tirar o lixo. mas você interpreta o que é o lixo.
beijos, e obrigada pelo seu tempo!
https://revistacult.uol.com.br/home/nao-ha-heterossexuais/